Uma realidade muito dinâmica: quando a Educação Popular não é bem vinda...

Desde o seu surgimento, o PET Educação Popular, por meio da frente “Educação Prisional e Gênero” almejou realizar um processo de educação popular dentro de unidades prisionais. Durante mais de dois anos tentou de diversas formas adentrarem este espaço, com pedidos oficiais, protocolos, incidências, etc. O mais próximo que chegamos do objetivo foi o de dar início a uma biblioteca que seria utilizada por mulheres encarceradas. Mas, o impedimento de adentrarmos as cadeias permite-nos algumas reflexões, porque será que a educação popular não pode e outros projetos, inclusive de educação, sim? Confira o texto preparado por Helena Kuabara, Maria Clara Pereira e Wildney Moreira, o trio de extensionistas que acompanhou a sistematização deste processo!

Se quiseres conhecer a situação socioeconômica do país, visite os porões de seus presídios” (Nelson Mandela).

O Brasil hoje é considerado o quarto país que mais encarcera no mundo, estipula-se 515 mil detentos, ficando atrás somente dos Estados Unidos, da China e da Rússia. Segundo o autor Wacquant (1999), que estudou a situação na Europa e nos Estados Unidos, o crescimento da população carcerária está associado ao desenvolvimento do Estado “liberal paternalista” – liberal porque se utiliza de mecanismos econômicos geradores de desigualdades sociais, e paternalista porque realiza ações paliativas frente à precarização do trabalho e da proteção social. Com a grande população carcerária e a expansão que se encontra, a política pública de educação de jovens e adultos tem grandes dificuldades em sua concretização no interior das prisões – embora seja um direito a educação e esteja previsto em lei, possibilitando a redução da pena por estudo -, levando em conta o clamor público que prega a imposição da violência e da punição deixando em segundo plano a educação dos indivíduos encarcerados.

No Brasil, segundo dados do Depen (2012), a população carcerária, em sua maioria, é composta por jovens, pobres e negros. É fundamental compreendermos que os problemas existentes no sistema carcerário, estão em alguma medida relacionados à sociedade desigual em que vivemos.

No geral, cerca de 60% não chegaram a concluir o ensino fundamental. As condições de vida desse grupo são marcadas por violações de direitos, sejam individuais ou coletivos, e agravadas pela desigualdade de gênero que caracteriza a sociedade brasileira. Olhando para dentro desses
espaços nos deparamos com uma especifica população, coincidência ou não, são pessoas que normalmente ocupam uma mesma posição na sociedade, ou seja, pertencem a uma mesma classe.

A superlotação, a falta de assistência médica e jurídica e a extrema pobreza que caracteriza a maioria dessa população fazem com que este seja um grupo totalmente excluído da garantia de direitos. Ao processo de criminalização da pobreza é incorporada uma Política de Tolerância Zero, tendo seu
início nos Estados Unidos, com o endurecimento das penas e a ausência de políticas públicas aumentando a cada ano.

No estado de São Paulo, recentemente, fruto de quase dez anos de lutas dos movimentos sociais e organizações civis, foi instituído, por meio do Decreto 57.238, de 17 de agosto de 2011, o Programa de Educação nas Prisões, a ser implantado e executado pela Secretaria da Educação e de Desenvolvimento Econômico, Ciência e Tecnologia, em parceria com a Secretaria da Administração Penitenciária, para prover aos sujeitos privados de liberdade o direito ao acesso à educação.

Parágrafo único – A educação básica, de que trata o capitulo deste artigo, será implementada mediante projeto pedagógico próprio, na modalidade Educação de Jovens e Adultos – EJA, de modo a atender a multiplicidade de perfis, interesses e itinerários escolares da clientela
(Resolução Conjunta SE/SAP 1, de 16-1-2013).

O direito à educação é assegurado a sujeitos em situação de privação de liberdade em algumas regiões do Brasil. Um exemplo significativo, considerando o processo de mudanças dos sujeitos, é o programa da Unidade Prisional de Campos Belos (Goiás), que desenvolve os trabalhos na perspectiva da Educação Popular. A garantia do direito à educação nas unidades prisionais do estado de São Paulo, conforme decreto citado, ganha institucionalidade a partir de uma pressão social – movimentos e organizações de direitos humanos, defensoria pública e pastoral social – e legal; a aprovação da lei no 12.433, de 29 de junho de 2011, que altera a lei no 7.210, de 11 de julho de 1984 (Lei de Execução Penal), para dispor sobre a remição de parte do tempo de execução da pena por estudo ou por trabalho.

Art. 1o Os arts. 126, 127, 128 e 129 da Lei no 7.210, de 11 de julho de 1984 (Lei de Execução Penal), passam a vigorar com a seguinte redação:
“Art. 126. O condenado que cumpre a pena em regime fechado ou semiaberto poderá remir, por trabalho ou por estudo, parte do tempo de
execução da pena.

§ 1o A contagem de tempo referida no caput será feita à razão de:
I - 1 (um) dia de pena a cada 12 (doze) horas de frequência escolar - atividade de ensino fundamental, médio, inclusive profissionalizante, ou superior, ou ainda de requalificação profissional - divididas, no mínimo, em 3 (três) dias;
II - 1 (um) dia de pena a cada 3 (três) dias de trabalho. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2011/lei/l12433.htm

No entanto, há grandes contradições nesta lei, pois há um incentivo maior ao trabalho em detrimento da educação; nesse sentido, a lei serve aos interesses do capital, que obtém uma grande quantidade de mão de obra barata, tendo como justificativa para esta exploração a redução da pena e a qualificação dos presos para o mercado. Em Minas Gerais, presidiários produzem bolas em troca da sua liberdade. Eles integram o universo de 43.104 presos, entre condenados e provisórios, que formam a população carcerária no estado. Por ocupar postos de trabalho, recebem três quartos do salário mínimo vigente por mês, o que corresponde atualmente a R$ 466,50, e são beneficiados com a remissão de um dia de pena a cada três de trabalho, seguindo a Lei de Execução Penal.

http://www.em.com.br/app/noticia/gerais/2012/09/25/interna_gerais,319418/trabalho-garante-liberdade-a-detentos-dos-presidios-mineiros.shtml

Já a lei de remição pelo estudo, pouco posta em prática, requer investimento do Estado, e, dependendo da forma como a educação é desenvolvida, poderia formar pensamento crítico que confrontaria o sistema. O receio dos desdobramentos da educação praticada na prisão é o
que inviabiliza a entrada de projetos referenciados na concepção de Educação Popular. Fato que justifica a facilidade l da entrada da pastoral carcerária que prega a religião e a crença em Deus em forma de alienação, do que o conhecimento crítico produzido por uma Educação Popular.

Tendo em vista a aprovação da lei e a necessidade de garantir mecanismos e ações para implementá-la, surge o questionamento sobre a concepção de educação a ser adotada. Considerando a dificuldade extrema encontrada para adentrar a educação popular nas unidades e serviços do sistema prisional em Santos, desejamos, lutamos e persistimos com ações que possibilitem às pessoas encarceradas a oportunidade de acessar e produzir conhecimento de forma crítica.

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